terça-feira, 21 de novembro de 2017

NOTA FINAL

O regresso a casa foi ontem, após cirurgia e tratamento. Não posso passar sem dizer que, como quase sempre acontece naquela instituição de saúde pública (não conheço nem tenho conhecimento de melhor, pública ou privada) só tenho a agradecer pela maneira excepcional como fui tratado, por todo o pessoal, algum do qual pertence infelizmente a firmas externas, o que considero aliás lamentável. Do cirurgião e da sua equipa, ao pessoal de enfermagem, ao pessoal administrativo, ao pessoal auxiliar e ao das refeições, ao pessoal da limpeza, recebi tratamento e apoio que só posso agradecer. Não vou citar nomes apenas porque considero não ser este o local apropriado, mas se alguém entre eles me ler pode ficar certo que o doente daquele isolamento, felizmente temporário, não vai esquecer a eficiência, a simpatia e humanidade como foi tratado. OBRIGADO IPO!



Os Amigos e a Família, estiveram sempre presentes no meu espírito. Os mais próximos foram uma presença constante através de contactos telefónicos e informáticos, diários. Apesar de todas as restrições devido ao isolamento forçado, a companhia quotidiana de praticamente 53 anos, excluindo as viagens de trabalho e os internamentos sem visita, manteve-se e é um lenitivo enorme como sempre. OBRIGADO LUCÍLIA! Alguns Amigos "furaram" as barreiras e quiseram ver o doente, obrigados para isso a porem equipamento especial, por questões de segurança para eles, para os restantes doentes e para o pessoal hospitalar. OBRIGADO! Devo no entanto afirmar que disse para não virem aos que telefonaram perguntando se era possível.
Dizer do fundo do coração OBRIGADO! é tudo o que O HOMEM QUE VIA PASSAR OS AVIÕES durante 11 dias, pode fazer!


11º DIA, SEGUNDA-FEIRA, 13 de Novembro de 2017

(XIV)

A noite, às vezes o seu início, é dos períodos mais delicados para quem se encontra internado. As dores parecem mais intensas. O que tem a ver obviamente com a solidão nocturna, mesmo que o pessoal de saúde ocorra se for chamado, quase sempre com a mesma vontade de ajudar a resolver o problema.



(XV)

Pela manhã, o meu médico e cirurgião diz-me que me vai dar alta e que vou ser desalgaliado.
A surpresa é grande e a alegria virá depois, se tudo correr bem. Sei dos riscos.
O pessoal e os doentes felicitam-me. A esperança recebe um forte lenitivo.
VOU! 



10º DIA, DOMINGO, 12 de Novembro de 2017

Para a semana haverá três acontecimentos em que gostaria muito de estar presente. Mas já lá estarei fora? E em condições de ir?

É a grande manif nacional da CGTP, pela valorização do trabalho e dos trabalhadores, que representa um marcar de posição dos trabalhadores perante um governo que, embora mais favorável que os últimos, não é obviamente um governo dos trabalhadores.

É o jantar homenagem a uma enorme referência para os que lutam por um Mundo Melhor, José Casanova, durante muitos anos Director do Avante! , até praticamente nos ter deixado fisicamente. 
É ao revolucionário, mas também ao escritor, que muito admiramos. "O Caminho das Aves" é um dos grandes romances que li neste século XXI e para mim uma referência infelizmente ignorada pela crítica, que sendo ideologicamente oposta, tudo faz para menorizar o que lhe não agrada.

Finalmente estreia-se na Cinemateca Portuguesa, o documentário "Até Amanhã, Henrique" (belo título), de Miguel Cardoso, sobre a vida e obra de Henrique Espírito Santo, importantíssimo nome do Cinema Novo e do cinema português, cidadão por quem temos grande admiração, resistente anti-fascista, militante comunista e um grande Amigo.

Não ter possibilidade de participar nestes acontecimentos será um desgosto. mas ainda não perdi a esperança de estar presente, ao menos, nalgum deles.

(XII)

Um trajecto possível para o dia 18, para quem não está em grandes condições físicas, seria ir ao final da Manif nos Restauradores ou vê-la passar num ponto da Avenida da Liberdade (sugiro junto ao CT Vitória). Seguir depois para a Casa do Alentejo (José Casanova) e dar um abraço aos Amigos. E finalmente subir a Avenida até à Cinemateca (Barata Salgueiro) e assistir à homenagem ao Henrique.
Estivesse em forma e faria isto com uma perna às costas. Assim, resta sonhar que até lá se dê o "milagre" de estar muito melhor.

(XIII)

Nono dia sem sair deste espaço (4x8 m), com excepção de uma ida ao Bloco, situado apenas dois pisos abaixo, e deitado.
Não é prisão mas quase. Felizmente tenho uma bela janela e vejo passar as modas... pela porta. Embora aqui, mas só do ponto de vista de vestuário, sejam muito limitadas...

Não sei se a bactéria já terá sido derrotada. Mas para mim os sintomas mais directos da doença são os coágulos que de vez em quando complicam o fluxo através da algália de três vias, provocando irritação e e às vezes muita dor. Mas procuro resistir o mais possível à necessidade de recorrer aos analgésicos.

9º DIA, SÁBADO, 11 de Novembro de 2017

(IX)

"Atrás daquela janela, virada para o mar, está o meu amigo e irmão". 
Não me lembro se os versos da canção eram exactamente estes, ou se misturei letras escritas em lúgubres e tristes tempos, que atravessaram a nossa infância, adolescência e até o início da idade adulta e que nos deixaram marcas profundas que o tempo nunca apagará, por muitas alegrias e vitórias tivessem vindo depois. Mas as injustiças, as violências e a opressão nunca se esquecem. Mas não sou revanchista, como a burguesia em geral o é. Não quero é que esses horríveis tempos, do fascismo salazarista, se repitam!



Não! Não são pensamentos pessimistas de "o homem que via passar os aviões", por trás duma outra janela. Por que aqui o motivo é outro. É a tentativa de recuperar a saúde, numa instituição que, por aqui vir muitas vezes, aprendi a respeitar e até de certa maneira a amar, pelo carinho com que tenho sido nela tratado. Isso também o tempo nunca apagará.




Mas a janela fez-me lembrar ainda outras janelas e situações, que outros, muito melhor que eu, conseguiram transmitir através das suas obras. Pensei, enquanto a madrugada ia chegando, nalgumas delas.

Na "Rear Window" (que alguém se lembrou de chamar, um pouco idiotamente, indiscreta) que o mago Alfred Hitchcock, mago da arte das imagens, um dia inventou. 
E noutro mago que tem conseguido pôr com mestria nos seus filmes algumas ideias comuns a quase todos os cinéfilos. Woody Allen, no seu apaixonante e delicioso, apesar do tema, "Manhattan Murder Mistery" (O Misterioso Assassínio em Manhattan), onde também é a observação, tal como em "Rear Window", que conta.

E o pensamento salta para outra obra-prima, de outro mestre incontestado, Michelangelo Antonioni, em "Blow-Up", que ainda nos fascina, talvez porque a câmara escura para nós ainda não foi esquecida. Aí é através do tratamento da imagem, da sua ampliação até ao limite, que o fotógrafo procura (em vão?) descobrir a verdade. 
Hoje, num tempo em que o grande poder económico tudo manipula, mas principalmente com imagens que difunde através dos Media, falsas ou manipuladas, "Blow-Up" pode parecer até ingénuo.
E os jornalistas e os fotógrafos que o poder económico contrata e explora, a tudo se sujeitam e deixam-se manipular através do medo de represálias se ousarem escrever ou mostrar verdade.
Honra seja feita, no entanto, aos que ainda têm coragem e conseguem manter a dignidade. Mas não são os que o poder incensa. E lembrei-me, entre muitos outros, do saudoso e recentemente desaparecido, grande escritor também, Baptista-Bastos, que afastado dos jornais onde sempre escreveu (o último foi o DN, onde o despediram sumariamente), teve que se refugiar num miserável pasquim (CM) enquanto a saúde lhe permitiu escrever.

(X)

Na primeira vez que aqui estive, em 2006, as enfermarias eram maiores, não havia televisões, as casas de banho eram duas por piso, enormes, ao fundo do corredor.
Contaram-me pelo menos duas pessoas, que esteve aqui internado, talvez no 6º piso onde também estive, o famoso pintor, escritor e poeta surrealista, Mário Cesarini, que tanto foi o tempo que esteve internado que resolveu pintar nos azulejos de uma das casas de banho. O resultado, como era de esperar, foi magnífico. 
Tão bom que quando o edifício principal onde estou foi para obras os responsáveis logo pensaram em preservar a obra de Cesarini, entretanto aqui mesmo falecido. O que segundo me contaram não foi possível. Os azulejos foram destruídos por alguém que desconhecia o que se passava por se terem esquecido de o avisar, e acabou por destruir a escopro e martelo as obras de arte. Terão ficado, certamente fotografias e talvez vídeos.
A Arte é, muitas vezes e infelizmente, efémera. Faz parte da sua própria condição. Quem não pôde ver nunca mais o poderá fazer.
Por isso o que vi, ou ouvi, faz parte do meu património, o imaterial, que é o que mais respeito. Esses momentos únicos e irrepetíveis, nos palcos principalmente, mas também nas salas de exposição. E não será isso o mais importante da nossa vida, juntamente com o que conseguimos, nós próprios, fazer de muito bom?

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

8º DIA, SEXTA-FEIRA, 10 de Novembro de 2017

(VIII)

Gostava de falar (escrever) sobre muitas coisas, a começar pelas "trumpalhadas", que nos preocupam pelas suas características fascistas.
A propósito, quando Obama foi eleito julgo que não houve nenhum homem ou mulher progressista que não sentisse grande satisfação. Porque foi uma pedrada no charco racista da sociedade norte-americana.
Tal como a eleição de Trump significou o recuo das ideias progressistas nos EUA, ainda que sejam muito minoritárias na área do poder daquele país.
Gostava de falar obviamente na visita do dito cujo Trump ao Oriente e na diferença, enorme, dos discursos do PR chinês e do PR norte-americano.

E já que falamos de PR's, queria referir a quase lamentável "exibição", e em inglês, do da República Portuguesa. Fiquei envergonhado... Não havia necessidade. Mas houve atrasados que gostaram. Calculo...

Mas vou-me limitar apenas a referir que "o homem que via passar os aviões" (a lembrar um título de um livro de um escritor de que gosto muito, magistral retratista de uma Paris popular no bom sentido, dos trabalhadores e da pequena burguesia, Georges Simenon. Mas diga-se que quando aborda a sua Flandres natal (julgo eu) não o faz com menos mestria) continua a vê-los passar. 
E ver passar os aviões, afinal, quando estamos em isolamento devido a uma bactéria, chata e resistente, não é mau. 
Olhar a paisagem urbana e as máquinas voadoras que a sobrevoam e guardar a esperança de qualquer dia poder voltar a viajar. 





7º DIA, QUINTA-FEIRA, 9 de Novembro de 2017

(VII)

Uma ida ao Bloco para cirurgia e regresso. Quando isto se torna para nós quase banal é que mal vão as coisas. Mas quero continuar a pensar que "aqui ninguém desiste".
No Recobro as dores foram muitas, pareceram-me das maiores que senti até hoje, obrigando-me a gemer, eu que sou contra o manifestar as dores de forma audível para os outros (questão também de low profile, como lhe chamam os anglo-saxónicos).
Entretanto continuo na luta, pela vida e, principalmente, por um Mundo Melhor. Mas as duas coisas são indissociáveis: sem uma (a vida) não haverá a outra (a luta).

domingo, 19 de novembro de 2017

5º DIA, TERÇA-FEIRA, 7 de Novembro

(IV)

Hoje passam 100 anos sobre um dos acontecimentos mais importantes da História da Humanidade. O início da grande Revolução Socialista de Outubro de 1917, na Rússia.
O dia em que os trabalhadores e o povo tomaram em suas mãos o seu destino. E o mantiveram durante mais de 7 décadas, apesar de todos as sabotagens e ataques à Revolução pelas forças mais reaccionárias apoiadas pelo capitalismo. Nomeadamente o brutal ataque do nazi-fascismo, na primeira metade dos anos 40, que causou mais de 20 milhões de mortos à União Soviética.
Mas, derrotado o fascismo, a URSS tornou-se um grande país, o mais desenvolvido socialmente, com os males sociais do capitalismo erradicados - exploração dos trabalhadores, desemprego e miséria. E tecnologicamente, ao nível dos mais desenvolvidos. 




Lamento muito não poder participar, hoje, nas comemorações do Centenário, na minha cidade, Lisboa, no Coliseu.







(V)

Nas notícias de ontem avulta a dos Paradise Papers. Mais um enorme escândalo dos off-shores. Mas acima de todos os nomes implicados o que mais indigna é da rainha de Inglaterra, Isabel II, que colocou milhões de libras da sua fortuna pessoal em off-shores, para fugir ao fisco no seu país!
Se dúvidas houvera sobre o tipo de gente a que a rainha e seus acólitos pertencem este caso mostra o que são e a falta de respeito que têm pelo seu povo e pelo seu país.  

(VI)

Cinema e Literatura Nº2 

Para o facebook, com The Big Sleep (À Beira do Abismo), escrito por Raymond Chandler e realizado por Howard Hawks. Com Humphrey Bogart, numa das melhores interpretações do duro e romântico detective particular, Philip Marlowe, cuja ética é à prova de bala. Como sempre há uns laivos de romantismo, com a Cabeleira de Prata, como lhe chamou Marlowe.





4º DIA, SEGUNDA-FEIRA, 6 de Novembro

(II)

No diálogo com uma simpática enfermeira surgiu a questão do conceito de doente, que num serviço público continua a ser o doente, com todo o sentido humanista do termo, para se transformar no cliente da medicina transformada em chorudo negócio pelos interesses privados e veja-se a apetência que o grande capital por ela tem, o que diz tudo: é uma luta do fascista Trump nos EUA, procurando eliminar os últimos resquícios do social do antecessor.
Mas o que mais me impressionou na conversa foi a afirmação da jovem de que os professores na Escola defendiam o conceito de cliente!

(III)

Mais uma releitura terminada! 
"À Beira do Abismo" (The Big Sleep), uma obra-prima do género policial, e não só, editada em 1939.
Um enorme escritor, Raymond Chandler, um dos meus preferidos, qualquer que seja o género que tenha utilizado. O seu herói, Philip Marlowe, é um detective privado, duro, romântico e com uma ética à prova de bala.
A acção do romance decorre no seio da grande burguesia, que nasceu e cresceu com o petróleo e que se afunda num mundo de luxo, inutilidade, desvario e corrupção, com as suas ligações ao mundo do crime. 
O discurso do chefe do Departamento de Pessoas Desaparecidas de L.A., o capitão Gregory, um polícia sem ilusões, reflecte também a amargura do escritor perante a realidade de um país, os EUA, que cerca de 80 anos depois pouco mudou:

"- Sou um polícia, um simples e banal polícia. Razoavelmente honesto; tanto quanto se pode ser num mundo onde a honestidade passou de moda. Foi precisamente por isso que lhe pedi que passasse por cá hoje. Como polícia que sou, gostaria de ver a lei vencer. Gostaria de ver patifes como Eddie Mars estragarem as unhas na pedreira de Folson ao lado dos pequenos marginais que cresceram em bairros miseráveis, apanhados mal puseram o pé em falso pela primeira vez e a quem nunca mais se deu uma oportunidade. Era isso que eu gostaria de ver. Tanto eu como você já vivemos o suficiente para saber que isso nunca vai acontecer. Pelo menos não nesta cidade, nem nenhuma outra com metade do tamanho de Los Angeles em qualquer ponto deste grande e belo país. Pura e simplesmente não o governamos assim." (pág 181)

Marlowe movimenta-se entre várias mulheres que surgem ao longo do romance, às vezes atraído pela beleza de algumas ou pelo que pensa ver nelas.
A obra termina com uma frase inesquecível:

"No caminho para casa parei num bar e bebi dois copos de whisky. Não me ajudaram em nada. Só me fizeram pensar na Cabeleira de Prata, e nunca mais a vi."

Anos mais tarde outro grande autor (1), seduzido pela frase, continuou a história num outro belíssimo romance, revisitação perfeita do espírito de Chandler. 

(1)- Robert B.Parker, em "A Morte Veste de Seda"






3º DIA, DOMINGO, 5 de Novembro de 2017

REFLEXÕES HOSPITALARES

Durante 11 dias de isolamento devido uma bactéria resistente aos antibióticos comuns, responsável por uma infecção urinária. 
Talvez haja alguém que ache algum interesse. Os psicólogos, quem sabe...





(I)

Leio numa revista de divulgação científica, número especial "Os Segredos do número Pi" (da National Geographic) a seguinte frase:

"Se tempo disponível for infinito, um exército de macacos acabará por dactilografar qualquer texto finito imaginável"

Não deixa de ser consolador lê-lo ainda que aqui o nosso fim esteja, mais que em qualquer ouro lugar, em causa. Estamos doentes e podemos terminar mais cedo do que desejaríamos.