domingo, 19 de novembro de 2017

4º DIA, SEGUNDA-FEIRA, 6 de Novembro

(II)

No diálogo com uma simpática enfermeira surgiu a questão do conceito de doente, que num serviço público continua a ser o doente, com todo o sentido humanista do termo, para se transformar no cliente da medicina transformada em chorudo negócio pelos interesses privados e veja-se a apetência que o grande capital por ela tem, o que diz tudo: é uma luta do fascista Trump nos EUA, procurando eliminar os últimos resquícios do social do antecessor.
Mas o que mais me impressionou na conversa foi a afirmação da jovem de que os professores na Escola defendiam o conceito de cliente!

(III)

Mais uma releitura terminada! 
"À Beira do Abismo" (The Big Sleep), uma obra-prima do género policial, e não só, editada em 1939.
Um enorme escritor, Raymond Chandler, um dos meus preferidos, qualquer que seja o género que tenha utilizado. O seu herói, Philip Marlowe, é um detective privado, duro, romântico e com uma ética à prova de bala.
A acção do romance decorre no seio da grande burguesia, que nasceu e cresceu com o petróleo e que se afunda num mundo de luxo, inutilidade, desvario e corrupção, com as suas ligações ao mundo do crime. 
O discurso do chefe do Departamento de Pessoas Desaparecidas de L.A., o capitão Gregory, um polícia sem ilusões, reflecte também a amargura do escritor perante a realidade de um país, os EUA, que cerca de 80 anos depois pouco mudou:

"- Sou um polícia, um simples e banal polícia. Razoavelmente honesto; tanto quanto se pode ser num mundo onde a honestidade passou de moda. Foi precisamente por isso que lhe pedi que passasse por cá hoje. Como polícia que sou, gostaria de ver a lei vencer. Gostaria de ver patifes como Eddie Mars estragarem as unhas na pedreira de Folson ao lado dos pequenos marginais que cresceram em bairros miseráveis, apanhados mal puseram o pé em falso pela primeira vez e a quem nunca mais se deu uma oportunidade. Era isso que eu gostaria de ver. Tanto eu como você já vivemos o suficiente para saber que isso nunca vai acontecer. Pelo menos não nesta cidade, nem nenhuma outra com metade do tamanho de Los Angeles em qualquer ponto deste grande e belo país. Pura e simplesmente não o governamos assim." (pág 181)

Marlowe movimenta-se entre várias mulheres que surgem ao longo do romance, às vezes atraído pela beleza de algumas ou pelo que pensa ver nelas.
A obra termina com uma frase inesquecível:

"No caminho para casa parei num bar e bebi dois copos de whisky. Não me ajudaram em nada. Só me fizeram pensar na Cabeleira de Prata, e nunca mais a vi."

Anos mais tarde outro grande autor (1), seduzido pela frase, continuou a história num outro belíssimo romance, revisitação perfeita do espírito de Chandler. 

(1)- Robert B.Parker, em "A Morte Veste de Seda"






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